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As montanhas do Afeganistão

Muitas vezes me deparo com uma situação curiosa em alguns atendimentos, sugiro algo para os pacientes que me retrucam com a frase: “mas eu não tenho companhia para isso” ou ainda, “eu não posso fazer isso sozinho” entre outras variáveis.


Por ter um gosto um tanto diferente das massas, eu, desde muito cedo aprendi a fazer as coisas sozinho, especialmente em relação ao divertimento, passeios, e consumo cultural, não é fácil encontrar por aí pessoas que curtam jazz ou longas caminhadas urbanas.


Na minha cabeça a “solidão” jamais pode ser desculpa para deixarmos de fazer aquilo que gostamos, eu vou a cinemas sozinho, shows, passeios e até viagens, por que não?


Inclusive é sobre algo ocorrido numa viagem que eu gostaria de falar hoje, quem sabe esse pequeno relato não te dê a coragem necessária para largar essas bobeira de precisar de companhia para se divertir.


É evidente que uma bela companhia ajuda, no entanto, quando ela não existe, isso não pode ser impedimento para se divertir.


É evidente que você virá com desculpas como o fato de ser perigoso ou ser algo de perdedor, mas pense bem, você acha realmente que uma companhia pode impedir um assalto ou algo assim? E são perdedores os alpinistas solitários que escalam grandes montanhas? Não seria melhor correr esse risco ao invés de ter a certeza do tédio e da sensação de vida desperdiçada? Pense bem…


No ano de 2015 eu viajei sozinho para a Europa, meus planos eram assistir a um festival de Metal chamado Wacken Open Air realizado em uma pequena cidade chamada Wacken no norte da Alemanha, próximo a Hamburgo e de lá rumar para Estocolmo, capital da Suécia.


Seria minha terceira visita ao festival, onde encontraria alguns amigos, e minha primeira vez na capital do país escandinavo.


Ao todo eu ficaria dez dias fora do país, quatro deles dedicados ao festival e os outros seis divididos entre Estocolmo e Hamburgo, uma cidade que eu realmente adoro.


Meu primeiro destino era Hamburgo, por ter visitado a cidade em ocasiões anteriores eu a conhecia bem, portanto estava disposto a “me perder” no local, sair sem rumo explorando locais fora do circuito turístico, coisa que inclusive adoro fazer.


Em meu primeiro dia na cidade tinha planejado explorar o centro histórico, sempre a pé, pois é assim que conhecemos bem qualquer local do mundo, antes de realizar tal empreitada eu precisaria comprar um chip de celular para me conectar com minha família no Brasil e com os amigos que encontraria no festival, usar o chip brasileiro estava fora de cogitação.


Foi aí que algo muito legal aconteceu na viagem e ficou marcado positivamente em minha cabeça.


Eu estava hospedado em um hotel próximo ao aeroporto da cidade, dentro do aeroporto havia uma loja onde era anunciada a venda de chips para celular, meu plano era passar lá após o almoço e então dar uma volta pelo centro da cidade.


Cheguei na pequena loja e fui recebido por um vendedor extremamente atencioso e simpático, como é o padrão alemão de atendimento (pelo menos sempre foi comigo).


Abdul era seu nome, me explicou quais os chips disponíveis com seus respectivos planos de dados, escolhido um deles, ele gentilmente se propôs a me auxiliar na instalação e ativação.


Abdul não conhecia meu modelo de celular ( era de pobre, rsrs) e mais uma vez muito gentilmente, buscou informações na internet para realizar a ativação dos dados, nesse momento comecei a puxar conversa, perguntei como estavam os negócios e se ele já havia almoçado.


Ele se interessou em conversar também, e perguntou qual era meu país de origem, respondi, e perguntei na sequência se ela era alemão mesmo, sua resposta: "Não, eu sou afegão”.


Fiquei maravilhado com a resposta, nunca havia conversado com um afegão antes e estava muito curioso em saber um pouco mais sobre seu país, seus costumes, essas coisas.


Tentei em minha mente buscar algum link sobre o Afeganistão para mantermos a conversa, infelizmente só me veio a cabeça Osama Bin Laden, falar sobre isso seria uma falta de respeito, no entanto, era tudo que eu conhecia sobre o local, até que, quase como mágica, me lembrei de algumas notícias da época dos ataques a Nova Iorque: Todas diziam ser muito difícil capturar os terroristas no país por conta das montanhas e relevo local.


Não tive dúvidas e emendei:


Eu sempre ouvi falar da beleza das montanhas do Afeganistão...Um sorriso enorme se apossou de Abdul.


Ele então começou a falar sobre as montanhas, sobre as cidades, a cultura e a comida, sempre me perguntando também as mesmas questões sobre o Brasil. Era muito legal notar a paixão que ele tinha ao falar sobre sua terra, ao mesmo tempo o sentimento de tristeza em abandonar o local por conta de todas as questões políticas envolvendo os terroristas.


Tive uma aula sobre a história do país, juro que tive uma vontade imediata de visitar o local e conhecer um pouco mais sobre essa gente, Abdul porém me alertou ser impossível por questões políticas, o Afeganistão, infelizmente é fechado aos turismo.


Quando percebi, havíamos conversado por quatro horas, nesse meio tempo meu celular foi configurado e até ajudei Abdul no atendimento de alguns clientes. Foram momentos bem legais.


Convidei Abdul para jantar em algum local, ele porém disse que precisaria estar cedo em casa para suas orações, respeitei, porém acabei esquecendo de pegar seu contato, uma falha imperdoável sem dúvidas.


Desisti do passeio daquela tarde, passei em um supermercado próximo ao hotel, comprei umas latas de cerveja e sanduíches e retornei ao meu quarto onde passei boa parte da noite escutando a música e caçando fotos das montanhas do Afeganistão. O restante da viagem aconteceu como o planejado.


Caso eu não estivesse viajando sozinho teria provavelmente perdido essa conversa, por isso eu digo novamente, viaje sozinha, viaje sozinho! A “solidão” te faz buscar companhia e conhecer gente interessante.


Em 2018 junto com meus pais retornei a Alemanha e estive novamente em Hamburgo, a primeira coisa que fiz ao sair do aeroporto foi procurar a loja de celulares, infelizmente havia se transformado em uma boutique de roupas, porém as boas lembranças me surgiram de forma automática e novamente tive vontade de conhecer as montanhas do Afeganistão.


Uma boa semana para você! E não deixe de fazer coisas por falta de companhia!


Escrito por Luciano Arruda, psicólogo e fundador do Fluidez Mental, seu contato é: luciano@fluidezmental.com.br








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